sábado, 29 de novembro de 2014

Resista à tentação de criar seu próprio monstro.

Há algum tempo falei aqui sobre a sindrome do arquiteto astronauta, e retomo o tema hoje.

Caso você seja um arquiteto de software, ou tenha tendências a se tornar um, provavelmente está nesse momento implementando ou criando em sua mente algum SeiLaOQueFX, aquele framework que irá satisfazer a tara que todos nós temos por reuso, coesão, simplicidade. Simplicidade? Sim, ao menos é o que normalmente pensamos.

Com o SeiLaOQueFX você e os demais programadores da sua equipe não terão mais dificuldade em implementar um processo de negócio qualquer, poderão se abstrair dos requisitos não-funcionais e focar apenas no que interessa ao negócio. A produtividade da equipe será foda, ninguém mais precisará repetir código, reimplementar padrões, ter que conhecer tais padrões, pra começo de conversa.

Claro que o fato de todo mundo agora ter que conhecer o SeiLaOQueFX mais que qualquer coisa que já estudou ou usou na vida é um mero detalhe, e você está ali para resolver qualquer problema. O fato de você reescrever todas as rodas e engrenagens possíveis também é só outro detalhe. É necessário, afinal o que tem por ai para ser reutilizado é genérico demais e não é bom o suficiente para satisfazer nossa tara por reuso.

Mas aqui vai o que lhe espera, e não negue esta verdade, será pior pra você: Riscos, risco em toda parte. E alguém pagará a conta; se não for você, será sua equipe, ou seu empregador. Sua satisfação inicial em criar o tão sonhado SeiLaOQueFX dará lugar a um sentimento de frustração, de impotência, afinal o fracasso não será culpa sua. E neste ponto não estou sendo apenas irônico. Provavelmente não será mesmo. Mas contará com a sua conivência em todo caso.
Mas o que fazer para não cair nessa armadilha, e não ser um eterno frustrado por nunca ter dado vida ao SeiLaOQueFX?

Uma primeira alternativa é fazer isso fora do trabalho. Se é tão importante pra você, você encontrará tempo. Isso evita que você comprometa seu emprego, sua equipe e seu empregador com os vários riscos que um framework escrito do zero traz.
"Mas sem o SeiLaOQueFX meu trabalho será tedioso, repetitivo, ineficiente". Provavelmente, pois é justamente isso que nos leva a querer ser pai de uma criatura como esta. Mas há outra motivação, interna e quase sempre negada, para fazermos isso. A preguiça. Isso mesmo, preguiça. Palavra forte, mas é o que acontece. Desenvolver nosso próprio EntityFramework, nosso próprio ASP.NET MVC, nosso próprio WCF é sempre mais motivador que aprender a usar estes aí.

Mas é aí que os riscos entram em cena. Todos sabemos que nunca temos à nossa disposição o prazo que precisamos para fazer o trabalho como queremos. Além disso, nosso empregador está pouco se lixando para o SeiLaOQueFX; o que interessa pra ele, e ele está certo em pensar assim, é o produto que ele está lhe pagando para entregar aos clientes dele. Com um framework desenvolvido do zero, inúmeros problemas inerentes ao framework, e não ao software que o utiliza, precisarão ser resolvidos, e quando estes problemas surgirem, não adianta ir tentar explicar ao seu empregador que o SeiLaOQueFX é foda e precisa de mais tempo. Você não está sendo pago para desenvolver frameworks, está sendo pago para desenvolver produtos de software e o desenvolvimento do SeiLaOQueFX está por sua conta e risco. Resultado: Gambiarras. Gambiarras em toda parte. Como você não tem tempo para aplicar o seu brilhantismo e resolver os problemas do seu framework com dignidade, você o fará sem dignidade mesmo, e a culpa é do seu empregador, que não lhe deu tempo pra isso. Portanto, ele que se ferre com a perda de qualidade.

Nesse momento sua equipe estará entrando em colapso. Muitos não irão mais querer usar aquilo que você diz que eles tem que usar e alguns pularão do barco até; outros seguirão paralisados, com uma produtividade cada vez mais baixa. Por fim, tudo aquilo que você sonhou como produto do SeiLaOQueFX se manifestará com sinal invertido, e em um nada belo dia você brigará com todos, discutirá com seu empregador e seguirá seu rumo; irá para algum lugar onde seu brilhantismo seja reconhecido. E ai, ai ferrou pra quem herdou a criança. Sua reputação estará manchada e no fundo você saberá que enfiou os pés pelas mãos, embora dificilmente admita.

Portanto, resista à tentação de criar seu próprio monstro.



Um comentário: